Joaquim Morais Oliveira

Joaquim Morais Oliveira é natural de Vila Nova de Gaia. Frequentou o ensino secundário no colégio militar de 1970 a 1977. É licenciado em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto ( 1980-1987). Faz parte da equipa do Centro de Estudos da FAUP sob a direção do Professor Arquiteto Nuno Portas, entre 1989 e 1998. Atualmente trabalha na Universidade de Aveiro, onde desempenha a sua atividade desde janeiro de 1999.

Fonte:
Entrevista realizada por Planos

Entrevista

Planos: Fale-nos um pouco do seu percurso académico e profissional. Como descobriu a arquitetura? Como veio da Universidade do Porto para a Universidade de Aveiro?

Arquiteto Joaquim Morais Oliveira: Sinceramente não me lembro porque escolhi a arquitetura.

Hoje percebendo o que está por detrás em termos do que é a minha família, acho que naturalmente teria de ir para arquitetura. Porque eu tenho uma família que está sempre relacionada com desenho, imagem e construção. Desenho enquanto elemento de registo de qualquer coisa: peças mecânicas, peças de relógio, casas, caminhos de ferro ou seja o que for. Imagem porque está relacionada com fotografia, e construção porque sempre construíram. Também não é por acaso que o meu irmão é engenheiro mecânico. O meu pai não é arquiteto, mas a parte da minha família do lado da minha mãe tem esta componente.

Eu estudei em Lisboa, fiz lá o Colégio Militar e, quando terminei, achava piada à ideia de ir para a Escola Naval, que era para andar de barco. Tinha este sentido de viagem. Mas como já estava farto de estar fora de casa e de não ter contacto com os meus irmãos, etc… achei que estar mais uns anos em Lisboa não tinha assim muito sentido.

Arquitetura não foi a primeira escolha, nem a segunda, foi apenas uma escolha… e daí eu ter entrado nas Belas Artes no Porto. Não tinha aquele sentimento de “Eu tenho de seguir arquitetura desde que nasci”. Eu, como todos os miúdos, fazia construções em Lego; por acaso, fazia imensas e tenho muitas fotografias com construções de Lego… lá está, havia muito esta questão da imagem, da fotografia.

Não fui um aluno fora de série, exceto com o arquiteto Nuno Portas. O arquiteto Nuno Portas era um professor que dava três horas de aulas sem pestanejar e, aos seus sessenta e tal anos, preparava as aulas, não se limitava a dá-las. Eu acho que é um professor que marcou muita gente, não só como professor mas também como pessoa, e também como arquiteto. Portanto, eu fiz o curso na faculdade fazendo, nunca me preocupei em ser melhor ou pior, fui fazendo… e quando acabei o curso, achei que tinha de ir trabalhar como toda a gente.

Daí eu ter ido falar com o Nuno Portas, que era um homem de mil relações e podia saber de algum trabalho que houvesse. Portanto, isto foi uma feliz coincidência. Ter sido aluno dele e, no momento em que lhe vou perguntar, ele ter dito “Meta uma carta que vamos abrir um novo centro de estudos”.

Optei por dividir este meu primeiro emprego com um colega e, assim, ambos entramos para o Centro de Estudos e para a questão do Plano [do Campus da Universidade de Aveiro] e do Instituto Politécnico de Viseu. A dada altura, eu sou pressionado para dar aulas na Faculdade e, como eu tirei o curso para fazer projetos e construir, a questão de dar aulas não era uma opção que me apaixonasse. Nessa altura, estou também a prestar assessoria ao Plano na Universidade de Aveiro. Entretanto o Nuno Portas estava em Lisboa, e noutros lugares, e era eu que vinha [a Aveiro]. O Nuno Portas permitia e dava mesmo essa responsabilidade… aliás, criava condições para nós ganharmos responsabilidade e, quando sentia que éramos responsáveis, então dava confiança. Tanto que eu tive várias discussões aqui em que eu discordava de opções dele e ele permitia isso.

Além de dar assessoria ao Plano, eu tinha três projetos em mãos porque esta é a altura em que a Universidade de Aveiro tem a escola de Águeda para fazer (a remodelação do quartel), em que estávamos a falar de comprar ou não o antigo Hospital da Misericórdia de Viseu (para o transformar numa unidade da universidade) e é ainda o momento em que era preciso fazer o projeto da Engenharia Civil. O Nuno Portas estava na Expo 98 e eu tive uma conversa com um dos diretores da faculdade que me disse que não podia ter tantos projetos em mãos, tendo em conta que não era professor. Por sorte, numa das visitas aqui a Aveiro, o antigo diretor dos Serviços Técnicos e um ex-pró-reitor perguntaram-se se queria vir para cá. Dada a proposta, e como para ficar na faculdade no Porto tinha de dar aulas, decidi vir.

Participei em todos os programas preliminares dos edifícios, menos, como é lógico, nos do primeiro plano inicial de Rebello de Andrade, porque não estávamos cá. Entretanto, aceitei fazer o edifício de Engenharia Civil. Essa foi a principal razão de eu ter vindo para a Universidade de Aveiro. Depois, a segunda razão de eu ainda estar aqui hoje é porque todos os anos tenho feito projetos de edifícios.

 

Planos: Relativamente ao Departamento de Engenharia Civil, quais são desafios de fazer um edifício que serve não apenas para dar aulas mas também como objeto de estudo?

Arquiteto Joaquim Morais Oliveira: O edifício de Civil responde a uma questão fundamental. Na antiga Reitoria do Professor Júlio Pedrosa, havia um pró-reitor que se chamava Tomás da Fonseca, e eles queriam que o edifício de Civil funcionasse como um exemplo de um novo método de construir. Quais eram as nossas hipóteses? Nós poderíamos utilizar a pré-fabricação de betão, ou então utilizar estruturas metálicas, mas sempre utilizando tijolo como revestimento. A pré-fabricação de betão (pilares, vigas, painéis de betão…) ficaria mais cara pela questão do tijolo, pois teria de incorporar os tijolos depois de fazer os painéis de betão. E depois também era muito mais pesado, e não resolvia o problema de vencer os grandes vãos que existem no edifício de Engenharia Civil.

A estrutura metálica permite que eu seja mais rigoroso no projeto, pois enquanto no betão a tolerância são 5 cm, na estrutura metálica 2 cm já é muito. Mais, o betão mexe mais que a estrutura metálica. Portanto, há toda uma componente de rigor que, na estrutura metálica, me favorece para o rigor do desenho de projeto e, se eu tenho rigor no desenho do projeto, a probabilidade de ter um bom edifício é muito elevada.

A maior parte dos edifícios [do campus] têm quase 30, 20 ou 15 anos. O edifício de Civil  tem 15 anos e, em 15 anos, a evolução do ensino é brutal. Todos os espaços que temos estão ultrapassados, mesmo os espaços de laboratório. O espaço de sala de aulas já não é o que era há 20 anos, não tem sentido. Mas para fazermos o que tem sentido também não temos dinheiro e isto aqui é um problema.  Eu pensei que, ao fazer uma estrutura metálica que consegue vencer os 20 metros do eixo transversal do edifício e sem pilares intermédios, eu conseguiria ter liberdade para meter as paredes onde quisesse.  Então, pensei em utilizar paredes de gesso cartonado, apesar disso não favorecer a condição térmica. Mas se eu de hoje para amanhã quiser fazer outra divisão com gesso cartonado, rapidamente faço isto e com uma parede de tijolo não. Eu sempre achei que esta flexibilidade construtiva era uma coisa que nós devíamos explorar nos edifícios universitários. E por isso acho que o Nuno Portas tinha e ainda hoje tem razão… Para ter um edifício, temos de definir uma casca exterior, mas permitir que o interior possa ser alterado e readaptado, desde que salvaguardada a questão dos direitos de autor. Ou seja, se querem mexer no meu edifício, entreguem-me que eu faço, se estiver vivo.

No edifício de Engenharia Civil, acabou por ser feito um grande laboratório de 600 m2 que, em função das áreas e linhas de investigação, é ocupado ou desocupado consoante as necessidades. Eu acho que isso foi mais ou menos cumprido, salvo em alguns casos em que foram montadas umas estruturas para delimitar o espaço. Mas acho que não tem sentido, porque eu ocupo se necessito e, se não necessito, não ocupo.

O objetivo era fazer um edifício flexível, um edifício com rigor, um edifício com uma nova maneira de construir e um edifício que permitisse este “obrigar” de dar aos pedais para ter linhas de investigação que permitissem a ocupação dos espaços. Isto é um bocado a política que fazem lá fora. É evidente que o edifício depois responde a todas estas questões: tem um piso suspenso, uma aplicação de pré-esforço e por aí fora.

Abaixo, encontra-se a entrevista conduzida pela aluna de Doutoramento em Arquitetura Helen Palmeira, à qual agradecemos a colaboração.